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Pouco reconhecidos, catadores são fundamentais para o setor de reciclagem

Cooperativas, associações e trabalhadores autônomos são responsáveis por recolher 90% de tudo o que é reciclado no país.

Era década de 1960. Época que as dificuldades eram ainda mais desafiadoras, Maria das Graças Marçal, hoje aos 71 anos, deixou o interior de Minas Gerais com a mãe e partiu para Belo Horizonte em busca de uma melhor condição de vida. Mas as oportunidades insistiram em não aparecer e o que restou foi recolher materiais recicláveis nas ruas e avenidas da capital. “Trabalho com isso desde os oito anos de idade. Antigamente, o catador era muito mais discriminado, tratado literalmente como lixo. Com o tempo, fomos nos organizando, mas ainda falta muito reconhecimento”, disse.

Com muita luta e suor, dona Geralda, como é conhecida, ajudou a fundar uma das principais cooperativas de catadores da capital há mais de 20 anos: a ​​Associação de Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare). “Criei meus nove filhos, junto com o meu marido, com esse trabalho. Desde então, nunca mais passei fome. A reciclagem é maravilhosa, um plástico vira brinquedo, o papel volta em um caderno. E precisamos dessa cadeia, a natureza não suporta mais tanta destruição”, acrescentou.

Entre os tantos desafios que já passou à frente da entidade, um dos maiores veio no ano passado. Por conta da pandemia do coronavírus, a coleta seletiva precisou parar por oito meses e, conforme Maria das Graças, a Asmare quase foi à falência. Aliado a isso, ainda houve um incêndio que atingiu 300 metros de um dos galpões em julho. E mesmo aos 71 anos, sobra disposição para recuperar o prejuízo. “Vamos levar um tempo, mas conseguiremos sim. A quantidade de material que chega caiu muito, já que cresceu o número de pessoas que foram para as ruas catar recicláveis para gerar renda”, disse.

Ao todo, a entidade conta com quase 130 catadores, que alimentam suas famílias exclusivamente com a reciclagem. Caso a coleta seletiva fosse ampliada na cidade, dona Geralda acredita que um número muito maior de pessoas seria beneficiada. “Todos os dias aparece alguém aqui na porta pedindo para trabalhar”, relatou. Mal remunerados e ainda pouco reconhecidos, os catadores movem praticamente todo o setor da reciclagem no país. De acordo com o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis, 90% de todo o material reciclável é coletado por eles.

A estimativa é que existam pelo menos 800.000 pessoas que vivem da catação no Brasil, sendo 70% mulheres. A forte presença feminina também é uma realidade na Cooperativa Solidária dos Recicladores e Grupos Produtivos do Barreiro e Região (Coopersoli). Conforme uma das fundadoras, Neli Medeiros, a atividade gera renda para 40 famílias – ela é catadora há 21 anos. Assim como a Asmare, a entidade tem um contrato de coleta seletiva com a prefeitura e também enfrenta a redução da quantidade de materiais disponíveis. “Mas somos resilientes, guerreiras e continuamos a nossa caminhada”, disse. Para Medeiros, o serviço de coleta ainda é restrito na cidade e mesmo nos locais que contam com a coleta, não acontece em 100% do bairro.

“Esse espaço já teve turno de trabalho 24 horas por dia. Hoje, estamos só de 8h às 16h, e não temos atividade na sexta-feira, porque não chega material suficiente. E sem contar que ainda estamos deixando tudo de quarentena, por quatro dias, por conta da Covid”, disse Neli, que também é integrante do Fórum Municipal Lixo e Cidadania de BH. Outro problema enfrentado diariamente pelas catadoras é a falta de separação do material reciclável do lixo orgânico. “Costuma vir muita coisa junto. Às vezes achamos que chegou muita coisa no caminhão, mas quando vai ver a maior parte é rejeito. As pessoas ainda colocam bicho morto, fralda, material de banheiro, comida estragada junto com o reciclável”, disse.

E uma simples atitude facilitaria o trabalho de toda a cooperativa: deixar o lixo orgânico separado do material reciclável. “Muitas vezes, por conta da quarentena, quando vai retirar os produtos para  triagem acaba aparecendo muita larva e bicheira por conta da comida estragada. Nós fazemos campanhas de conscientização, explicamos a forma que deve ser feita a destinação, mas ainda tem pessoas sem esse entendimento”, frisou. E junto com a Neli Medeiros, a catadora de materiais recicláveis Silvana Maria Leal de Assis, 63, ajudou a fundar a Coopersoli em 2003.

O projeto surgiu após mães chefes de família que tinham acabado de se mudar para um conjunto habitacional Conquista da União, na região do Barreiro, se unirem para gerar renda.  “Viemos da luta por moradia e depois veio o sonho de construir um negócio. E a reciclagem veio como uma oportunidade de trabalho. Estar aqui nesse galpão é uma grande vitória, junto com o contrato da coleta seletiva, que tirou as pessoas das ruas para coletar o material. Era muito cansativo”, recordou. Junto com tantas mulheres, a presença da cooperativa na região ajudou a mudar as atitudes ambientais de toda uma comunidade.

“Quando chegamos a aceitação não era grande, os moradores achavam que era um aterro sanitário, não havia essa concepção da reciclagem. Hoje, a comunidade entra aqui, quer conhecer a história, participar. Com a nossa forma de trabalhar, mostramos que é possível, que é isso é bom para todos”, enfatizou. Agora, a entidade quer crescer ainda mais e busca captar recursos para implantar uma esteira. Através do equipamento, o processo de triagem ganha agilidade e podem ser criadas novas frentes de trabalho.

Impacto social

Para além da transformação ambiental trazida pela reciclagem, o membro da equipe técnica do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (INSEA), Diego Alexander Gonçalves de Azevedo, lembra que atividade gera um grande impacto social – a entidade atua como assessoria técnica para as cooperativas de catadores. “Mostrar esse trabalho por esse lado é muito mais eficiente no processo de conscientização das pessoas. A população pode ver que está destinando um material que gera renda para milhares de famílias”, destacou.

Além disso, o especialista considera que a coleta seletiva deveria ser vista pelo poder público como uma economia para o município, e não um gasto. “Cada resíduo gerado na cidade tem que ser coletado, destinado a um aterro e isso tem o custo alto. Com o investimento nas associações, para fazer a coleta, cada quilo do material que deixa de ir para esse local está sendo economizado pelo município. Esse valor vai para a iniciativa privada e também para os catadores, que é uma população que é de baixa renda. E acaba que esse recurso circula dentro do município, retornando em arrecadação”, exemplificou.

Remuneração é baixa

Um engenheiro sanitário que assessora algumas cooperativas de catadores de recicláveis na capital, que pediu para não ser identificado, revelou que a redução do material recolhido fez com que a remuneração previstas no contrato com a prefeitura caísse pela metade. “Inclusive tem dado prejuízo e muitas entidades não conseguem pagar tudo. Entendemos que a prefeitura tenta ajudar, mas é tudo muito engessado. Tem demanda que você solicitou há mais de um ano e até hoje não teve uma resposta”, declarou.

Aliado à baixa remuneração, o engenheiro lembrou que o caminhão que faz a coleta seletiva e os trabalhadores das cooperativas que recolhem o material nos roteiros deveriam ter uma identificação diferente. “O veículo é muito parecido com o do lixo comum, o uniforme do nosso pessoal é idêntico ao dos demais. Então, quando eles estão rodando a cidade, a população não consegue diferenciar, muitas vezes não entende que é a coleta seletiva”, argumentou.

Mulheres criam projeto para recolher óleo de cozinha

A cada litro despejado na rede esgoto, a contaminação de até 20.000 litros de água, conforme a Agência Nacional das Águas. Outro resíduo que gera ainda mais poluição ao meio ambiente, o óleo de cozinha até hoje não possui um manejo sustentável no país. Esse problema levou um grupo de mulheres a criar um projeto que recolhe e ensina o descarte correto do produto. É o que conta a diretora-presidente da Arroxim, Cristiane Azevedo, que também é bióloga. A iniciativa, que acontece em Belo Horizonte, Contagem, na região metropolitana, e Divinópolis, no Centro-Oeste do estado, surgiu após uma parceria com o Instituto Bioplanet Energia e foi premiada na ONU no ano passado.

“Existem algumas empresas que recolhem esse óleo a nível comercial em padarias, lanchonetes e restaurantes, mas para o ambiente doméstico ainda não há conhecimento sobre o que fazer com esse resíduo”, disse. Com isso, foi criado o projeto de educação ambiental em escolas públicas e particulares em que são realizadas palestras e gincanas com os estudantes. “Falamos sobre a questão do descarte, o problema que isso pode trazer para a natureza e as cidades. E esses alunos saem em busca do óleo de cozinha usado com a família, amigos e vizinhos e levam para a escola”, acrescentou.

Após o óleo ser entregue pelos alunos, o projeto encaminha todo o resíduo para ser usado na produção de biodiesel. “É um combustível que pode substituir em 100% o diesel de base fóssil. A queima dele emite menos gases do efeito estufa, tem potencial energético interessante e ainda aumenta a vida útil do motor”, disse a bióloga. Até o momento, a iniciativa já passou por quase 40 escolas e está sendo levada também para entidades como creches e asilos. “Com a venda do óleo de cozinha, o recurso é usado na manutenção do projeto e também revertido para os locais, que podem comprar materiais escolares, esportivos, fraldas. Queremos criar uma cadeia socioambiental”, frisou.

Edital que prevê incineração do lixo em Minas causa preocupação

Em maio deste ano, durante visita do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o governo federal anunciou o edital do programa Lixão Zero, que vai destinar R$ 100 milhões para a implantação de usinas de triagem mecanizadas de resíduos sólidos urbanos nos municípios mineiros – o recurso veio da multa paga pela Vale à União por conta do rompimento da barragem de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Apesar de parecer positivo, o anúncio do projeto causou preocupação em especialistas que atuam no setor. Isso por conta de um dos trechos do edital, que prevê um equipamento para produzir Combustível Derivado de Resíduo Urbano (CDRU) em todas as usinas implantadas com a verba. Para o membro do INSEA,  Diego Alexander Gonçalves, na prática essa medida significa incinerar o lixo. “Quando é feita uma análise técnica do documento, fica claro que na verdade ele busca incentivar a prática nas cidades. Para disfarçar isso, traz como geração de energia a base do lixo, que é literalmente queimar o lixo”, pontuou.

O especialista enfatizou ainda que a incineração dos resíduos pode competir com a coleta seletiva, o que reduziria ainda mais o volume de material reciclado no estado. “O trabalho dos catadores se sustenta com base em produtos como plástico e papelão, que possuem maior fonte calorífica. Os consórcios já foram ganhos e está em fase de liberação de recurso. Esse edital é um retrocesso”, disse. Em julho, entidades ambientais chegaram a protestar em Belo Horizonte e outras 13 cidades para que o governo federal suspendesse o edital. O Ministério do Meio Ambiente foi procurado, mas não se pronunciou.

Ampliação da coleta seletiva no estado

Em nota, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que lançou em setembro um edital para selecionar “projetos de implantação ou ampliação de coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos a serem executados por consórcios públicos intermunicipais em Minas Gerais”. Segundo a pasta, serão disponibilizados R$ 3,2 milhões para a compra de equipamentos que viabilizam a oferta do serviço. Além disso, a secretaria conta com 10 Termos de Cooperação Técnica (TCTs) firmados com consórcios que representam 239 municípios mineiros. (Fonte: Jornal O tempo, por Lucas Morais)

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