Nem a coleta seletiva é garantia que todo o lixo reciclável será, de fato, reciclado. Em todo o País, o percentual de recicláveis recuperado do lixo produzido pelos municípios participantes do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) é de apenas 2,1%. A estimativa do sistema é que o potencial de materiais recicláveis em 2019 foi de 19,5 milhões de toneladas, ou 30% do total de lixo produzido no País. Entretanto, apenas 5,3% (1,04 milhão de toneladas) desse montante foi recuperado.
Os desafios da reciclagem passam não só pela destinação inadequada de lixo reciclável, que em vez de ser direcionado às cooperativas e PEVs vai parar nos aterros sanitários. Mas passam também por outros fatores, como o tipo de embalagem adotado pelas indústrias e a inexistência de uma cadeia de reciclagem para determinados produtos que atenda a uma determinada região.
Para começo de conversa, todo tipo de lixo que não é orgânico, deveria ser reciclável, opina Orlando Souza Moreira, técnico em Meio Ambiente, Química e Vendas e membro da cooperativa de reciclagem Cooper Região, de Londrina. “Pela lei ambiental, tudo deveria ser reciclado, mas tem materiais que dificilmente vão voltar para a cadeia produtiva.” Muitos materiais utilizados pela indústria são importados, de baixa qualidade e difíceis de serem recuperados no processo de reciclagem, ele diz.
Exemplo de material difícil de se comercializar é o BOPP, um tipo de plástico metalizado comumente utilizado como embalagem de salgadinhos, ovos de Páscoa ou rótulos de refrigerantes. “São materiais que as empresas não querem recuperar, é um material ruim. Acaba não compensando comercializar”, afirma Moreira.
O engenheiro químico Augusto Rocha, diretor da Mecquim Engenharia Ambiental, explica que processos para reciclar materiais como o BOPP já existem mas são inviáveis financeiramente. “O custo é muito alto. Você consegue fazer uma reação química e transformar em alumínio, só que como a embalagem é leve, o custo de transporte inviabiliza o processo.” O mesmo acontece com as cartelas de remédio, ele diz. “O desenvolvimento de reciclagem de resíduos industriais sempre cai na questão do custo. Você até consegue quimicamente desenvolver, mas o custo econômico inviabiliza a reciclagem.”
Materiais assim nem deveriam ser utilizados pela indústria, sustenta Claudio Pereira de Sampaio, professor do Departamento de Design da UEL (Universidade Estadual de Londrina). “Se fosse tratar da questão bem na origem, o fabricante nem poderia produzir (a embalagem) se não tem cadeia estabelecida para processar isso.” O que não é separado e vendido, infelizmente vai parar no aterro sanitário.
Mas a decisão de produzir ou não uma embalagem passa pelo critério econômico, ele explica. “São muito baratas. Se cumprem a função de fazer com que o produto chegue inteiro ao consumidor final, é o que importa para as empresas. A questão ambiental fica à margem. E o problema não é legal, existem leis há mais de uma década.”
VIABILIDADE ECONÔMICA
Segundo o presidente do InPar (Instituto Paranaense de Reciclagem), Rommel Barion, os critérios para a adoção de determinados tipos de embalagem dependem da política de cada indústria. Mas para alguns materiais, como o BOPP, a indústria ainda não encontrou substitutos à altura. “Não tem nada no mercado com a barreira hidroscópica do BOPP”, diz o presidente. “O que as indústrias estão fazendo hoje, as que têm mais capacidade de pesquisa e desenvolvimento, é adotar embalagens que sejam mais amigáveis para o meio ambiente e tenham reciclabilidade.”
Usar material reciclado na indústria, conforme Barion, também é caro. O custo do vidro reciclado é mais alto que o do virgem, por exemplo. “É uma grande dificuldade reinserir as embalagens que foram utilizadas na cadeia.” Além disso, a indústria de alimentos não pode utilizar embalagens recicladas, a não ser para as terciárias, adotadas para o transporte das mercadorias.
O InPar tem 51 associados da indústria de alimentos e ajuda as empresas a fazerem a logística reversa das suas embalagens. Após estimar a quantidade, o tipo e o destino das embalagens colocadas no mercado, o instituto subsidia cooperativas nas regiões com equipamentos, materiais de segurança, melhorias da estrutura e compra de notas do que é vendido na indústrias de reciclagem. As cooperativas, por sua vez, emitem um certificado assegurando que 22% da quantidade e tipo de embalagens lançadas pelas indústrias foi destinado. O índice é estabelecido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Vidro viaja mais de 400 Km até Porto Ferreira
Outro entrave no processo de reciclagem é o custo logístico, que impacta diretamente no preço do material para as cooperativas. O vidro, por exemplo, custa em torno de R$ 0,10 o quilo, conforme Orlando Moreira, da Cooper Região. Na falta de indústrias que recebem o vidro recuperado na coleta seletiva, o material acaba viajando quilômetros até encontrar destinação.
O vidro coletado em Londrina vai parar em Porto Ferreira, cidade de São Paulo a cerca de 430 Km de Londrina. “Justamente por isso que é mais barato. O custo de transporte é muito caro, é um material pesado, difícil de coletar e tem risco de acidente”, explica Moreira.
Segundo o diretor presidente da Vidroporto, indústria de embalagens de vidro que recebe caco de vidro reciclado em Porto Ferreira (SP), existem apenas nove cidades em todo o Brasil com plantas que produzem embalagens de vidro. “Se você imaginar um País que tem dimensões continentais, apenas nove pontos de utilização (do caco de vidro) cria um custo logístico muito alto.”
“Até a distância de 500, 600 km do ponto de vista econômico ainda é viável. Quando passa disso, o poder público poderia participar através de incentivo fiscal ou outro programa para que ainda assim o caco fosse utilizado como matéria-prima da indústria de vidro”, opina Rossi. “Se o resíduo fosse destinado à indústria, seria mais barato porque não teria o custo do aterro. E seria melhor do ponto de vista ambiental, porque não utilizaria o material virgem.”
Ao mesmo tempo, a educação ambiental é essencial para que a população faça a separação do lixo ainda na origem, reduzindo custos com separação, opina o diretor presidente da Vidroporto. Ele lembra que, quando o vidro reciclado é utilizado como matéria-prima, impostos já foram pagos quando o material ainda era uma garrafa ou um pote, por exemplo. “Quando se compra de novo como matéria-prima, toda a cadeia tem que pagar de novo.”
Responsabilidade pela reciclagem é da coletividade, diz advogada
A responsabilidade pela reciclagem não é somente do poder público, da iniciativa privada ou dos cidadãos. É da coletividade, afirma Ana Claudia Duarte Pinheiro, docente do Departamento de Direito Público da UEL.
Para que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos seja de fato colocado em prática, assim como a Lei Ambiental e a Constituição Federal, que também tratam de questões ambientais, o primeiro passo, na sua visão, é a educação ambiental para mudar o comportamento da população. Também é necessário encontrar vias para que o setor empresarial aproveite os materiais recicláveis e os coloquem no mercado novamente. Exemplos são políticas públicas como incentivos fiscais. “A área tributária poderia ser utilizada como uma forma de incentivo à mudança de comportamento.”
Aos consumidores, cabe fazer a separação correta do lixo. “Um dos problemas da não reciclagem é a falta de consciência ambiental e essa vem da educação. A mistura de resíduos vai exigir que tenha pessoal para fazer a separação.”
Após passar por separação e transporte, o material reciclável chega à industria a um custo alto. Mas se produzir material reciclado é caro para as empresas, para as cooperativas, é o contrário. “Muitos catadores não recebem nem o salário mínimo”, lamenta a docente.
Cabe aos municípios, por intermédio da lei, intervir para dar equilíbrio às partes, diz Pinheiro. “A intervenção do Estado é necessária porque as partes são antagônicas e diferenciadas na sua condição. Uma é hipossuficiente e outra é hipersuficiente. Cabe aos municípios verificar se os instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos estão sendo implementados.”
Educação Ambiental
Em Londrina, a Sema (Secretaria Municipal do Meio Ambiente) realiza ações voltadas à educação ambiental, como palestras, campanhas de recebimento de resíduos, publicação de cartilhas – como a de destinação correta de resíduos -, de posts em redes sociais e de parcerias com outras entidades, afirma a gerente de Educação Ambiental da Sema, Mariza Pissinati.
Cabe à secretaria fazer a fiscalização das empresas de menor porte através do PGRS (Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos), documento solicitado nos processos de licenciamento ambiental. A secretaria também disponibiliza em seu site uma lista de empresas que prestam serviços ambientais para onde é possível destinar corretamente os resíduos. “A empresa que quer destinar o resíduo e não sabe para onde, pode entrar em contato com a Sema ou acessar a lista”, orienta Pissinati.
Reduzir, reutilizar e só então reciclar
O professor Claudio Sampaio, do Departamento de Design da UEL, lembra, entretanto, que a reciclagem é a última etapa do ciclo de vida de uma embalagem. Antes disso, é imperativo reduzir e reutilizar. “Primeiro reduz, depois reutiliza o máximo possível e só depois recicla.”
Sampaio ensina aos seus alunos da UEL design de ciclo de vida, e pontua que na criação de uma embalagem, além de usar material reciclável, é importante usar o mínimo de recursos possível para a produção, com o menos impacto ambiental possível. Além disso, busca-se estender ao máximo a vida útil do produto. Por fim, para propiciar a reciclagem, é necessário que se utilize material que possa ser limpo, desmontado, descartado e compactado mais facilmente. (Fonte: Folha de Londrina – Por Mie Francine Chiba)