Gestores públicos mineiros precisam reconhecer a importância do trabalho dos catadores de recicláveis e lidar com a situação e a economia real deles. A conclusão foi de representantes da sociedade civil presentes em audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (4).
Isso porque, na prática, tem havido cobrança por parte do Governo do Estado, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de associações e cooperativas de catadores de recicláveis que vendem sucata e recicláveis para instituições de outros estados ou empresas que são adeptas do Simples Nacional, mesmo dentro do estado mineiro.
Mesmo prestando serviço essencial para o meio ambiente e a sociedade, organizações de catadores foram autuadas pelo governo estadual no final de 2022 a pagarem o imposto. A cobrança foi retroativa aos últimos 5 anos de emissão de notas fiscais de comercialização de material reciclável dentro do estado, para empresas optantes pelo Simples Nacional.
Representando a Secretaria de Estado da Fazenda, o auditor fiscal da Receita Estadual e assessor especial da Subsecretaria da Receita Estadual, Jefferson Nery Chaves, negou que o governo esteja cobrando ICMS dos catadores. Segundo ele, a legislação é nacional. Ele citou o artigo 218 do anexo 9, do regulamento de ICMS atual, de 2002, segundo o qual há diferimento de ICMS (postergação do pagamento do imposto) para saída de sucata e material reciclável. “Esse diferimento equivale a uma isenção. Para o catador, o ICMS é zero. No entanto, a regra geral é de que esse diferimento não se aplica quando a empresa que compra é do Simples Nacional ou está em outro estado. Quanto a isso, não há o que fazer. Seria necessário um convênio, para ser aprovado unanimemente no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz)”, explicou.
Servidor da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), Bruno Nogueira Guimarães criticou a posição do governo que, segundo ele, demonstra desinteresse pelo segmento. “Essa cadeia do diferimento é ficção jurídica. Não existe para as cooperativas na economia real. Elas são autogeridas e não têm assessoria jurídica ou econômica, além de estarem espalhadas pelo Estado, em diferentes regiões. Muitos dos compradores são optantes pelo Simples Nacional. Não existe alternativa de vender, para muitos deles, para alguém de dentro do estado ou não optante pelo Simples Nacional”.
O servidor ressaltou, ainda, que o governo não conhece a realidade da situação dos catadores do Estado da mesma forma que o Cimos. “Entendemos o que se passa nas associações e que o preço de venda de materiais varia muito. Temos estudos há mais de duas décadas que demonstram a ineficácia de ações que não incluem e dão protagonismo aos catadores. O serviço deles é essencial para o meio ambiente e a sociedade. Eles precisam ser tratados com dignidade e a coleta seletiva ser uma prioridade do Estado. Precisa ir pro Confaz? Então vamos pro Confaz”.
Catadores querem regime diferenciado e perdão de dívidas
Representante da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Lagoa da Prata (Central), Rui Batista de Moraes contestou a fala do representante do Estado. “Você fala que não cobra ICMS nosso, mas nossa dívida chegou a R$ 100 mil. Tivemos de aceitar essa dívida e negociar, para não perdermos nossa Certidão Negativa de Débito. Até certo ponto, não precisávamos de nota fiscal. E fomos surpreendidos com uma baita autuação logo no final do ano. Queremos conversar sobre anistia e o perdão dessa dívida”, enfatizou.
Liderança do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e secretária executiva do Fórum Lixo e Cidadania, Neli de Souza Silva Medeiros reforçou que 90% de todo material reciclável que chega na indústria passa pelas mãos dos catadores. “Somos nós que tiramos dos lixões, no meio de cocô, carregando peso, que fazemos a coleta porta a porta. Somos profissionais dessa cadeia e fazemos um trabalho de qualidade.”
No entanto, apesar de previsto na Lei 12.305, de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o Estado e os municípios não dão aos catadores as condições devidas para o trabalho deles. “Alguns só dão o espaço e acham que já é muito, mas não oferecem condições dignas, caminhões, prensa, equipamentos que precisamos. As três esferas precisam caminhar juntas para obedecer essa lei. Precisamos melhorar os espaços de coleta em todos os lugares, afinal cuidamos da saúde da população e da sociedade, tratamos o meio ambiente”.
Presidente da Contabilidade Auditoria e Consultoria LTDA (Conafe), José Pereira de Azevedo defendeu a retirada dos catadores da regra geral de ICMS. Segundo ele, é muito discrepante a grande contribuição que eles trazem versus o que isso significa de arrecadação de imposto para o Estado, um valor irrisório.
Uma das autoras do requerimento, a deputada Leninha (PT) disse querer lançar em Minas o Programa Pró-Catador, iniciativa do governo federal que foi recriada em fevereiro e aprimora as ações de reciclagem no País. “Vamos conversar na Secretaria da Fazenda, no Servas, realizar grupos de trabalho com vocês para construir junto essa iniciativa em Minas. Precisamos sair na frente e que o governo entenda o trabalho de vocês como política pública”, completou.