Legislação retroage com a exigência do pagamento de impostos sobre produtos que possuem margem de lucro mínima
O Brasil possui cerca de dois milhões de catadores de materiais recicláveis. Na capital goiana, cerca de 350 a 450 trabalhadores percorrem todas as ruas da cidade com seus carrinhos diariamente catando todo tipo de material. O município está atualmente na quarta posição entre as capitais brasileiras que mais reciclam. As 13 cooperativas que trabalham junto à Prefeitura de Goiânia, recebem isenção de alguns tipos de impostos municipais, algumas chegando até mesmo a impostos estaduais. Entretanto, em âmbito federal, a conversa é outra.
Recentemente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) deu um grande passa para trás no quesito reciclagem. O ministro Gilmar Mendes propôs a alteração na “Lei do Bem” (11.196/05). Quando aprovada, ainda em 2005, a lei isentou do pagamento do PIS e Cofins, as empresas de reciclagem, que são aquelas que compram o material recolhido pelos catadores. Entretanto, com a mudança de Mendes as empresas recicladoras voltarão a pagar 9,25% de PIS e Cofins nas vendas para as indústrias, além de poderem ser obrigadas a pagar os últimos cinco anos destes impostos, o que deve levar à falência quase todo o setor ou fazer com que empresas comecem a prática de sonegação, visto que o lucro real delas não chega a 10%.
Ao Jornal Opção, Claubir Teixeira, responsável pela Cooperativa Beija-Flor, em Goiânia, pontua que o lucro das empresas recicladoras é baixo. Ele explica que hoje, o quilo do papelão está em média de R$0,10. A sua cooperativa produz por mês, cerca de 100 a 150 toneladas, mas se voltarem com os impostos, “não teremos para quem vender”. Segundo Claubir, é inviável até mesmo mandar o material para fora do Estado, visto que o lucro é mínimo e os gastos com transporte não compensam. Ele critica a mudança na lei, pois considera que o país não está pensando na questão ambiental, mas somente no financeiro. “É uma covardia essa atitude. O nosso brasil está em decadência ambiental. As pessoas destroem a natureza cada vez mais e, agora, querem que paguemos impostos sobre algo que já pagamos. Estamos tirando da natureza algo que é considerado ‘lixo’, dando um novo destino para isso”, diz.
De acordo com Claubir, um dos pilares das cooperativas de reciclagem é a questão ambiental. “Se você andar pelas ruas da cidade e observar as nascentes, vai perceber que elas estão destruídas e isso é culpa da quantidade de lixo”. Segundo ele, algumas cooperativas já possuem isenção de impostos municipais e estaduais quando possuem título de utilidade pública, como a sua, porém, mesmo com esse desconto, outros impostos já acarretam prejuízo ao produto. “Nós já pagamos impostos demais. Apenas ano passado, foram mais de R$ 46 mil só de impostos pela central”. Ele questiona o fato das empresas que compram os produtos recicláveis também já pagarem altos impostos mensais, o que poderá contribuir para que o reciclável fique menos competitivo em relação a produtos de matéria prima virgem. “As empresas vão começar a parar de trabalhar o produto reciclável, o que gerará um impacto ambiental maior do que o já existente”, diz.
A decisão do STF, segundo o presidente do Instituto Nacional das Empresas de Sucata de Ferro e Aço (Inesfa), Clineu Alvarenga, “poderá resultar em graves prejuízos a um dos setores que mais têm contribuído para recolhimento e reciclagem de materiais descartados, reduzindo a poluição ambiental, preservando recursos naturais e, simultaneamente, movimentando a economia do país”, diz.
O vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Reciclagem e Gerenciamento de Resíduos, Romar Martins, afirma que “o catador será prejudicado, os pequenos depósitos também, pois os preços dos reciclados serão reduzidos e, consequentemente, seus ganhos em virtude da cobrança do PIS e Cofins. É um absurdo que até as cooperativas terão que pagar tais impostos”.
Em 2020, o Brasil gerou aproximadamente 82,5 bilhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (225.965) diárias. Com isso, cada brasileiro produziu, em média, 1,07 kg de resíduo por dia. No País, a maior parte dos resíduos sólidos urbanos coletados seguiu para aterros sanitários, com 46 milhões de toneladas enviadas para esses locais, superando a marca dos 60% dos resíduos coletados que tiveram destinação adequada. Por outro lado, áreas de disposição inadequada, incluindo lixões e aterros controlados, ainda estão em operação e receberam quase 40% do total de resíduos. (Fonte: Jornal Opção – Por Ysabella Portela)